Abramet lança diretriz inédita sobre efeitos do uso de medicamentos na direção

Por ABRAMET em 21/02/2024

Documento revela implicações de substâncias psicoativas na direção e serve de guia para condutores e médicos, além de orientação às políticas públicas

O consumo de medicamentos tem crescido no Brasil, impactando a vida das pessoas de diversas formas. Embora o uso de remédios esteja ligado à busca por prevenção e tratamentos de doenças, seus efeitos colaterais podem afetar diretamente a habilidade de dirigir dos usuários. Atenta a esse cenário, a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) publica uma diretriz de conduta médica inédita, avaliando a interface entre diversas medicações – especialmente aqueles com substâncias psicoativas – e a condução de veículos.

Destinado aos médicos do tráfego e a todo o sistema de saúde, o documento também tem como propósito orientar políticas públicas e prestar serviço à população, ao chamar a atenção para os cuidados que o paciente deve tomar ao assumir a direção.

“Essa diretriz é uma contribuição estratégica que oferecemos ao médico do tráfego brasileiro e a todos os atores do sistema de trânsito e da saúde. Nosso objetivo é atualizar o conhecimento científico disponível sobre os efeitos de diversas medicações sobre o paciente e sua relação com a direção veicular”, comenta Antonio Meira Júnior, presidente da entidade. “Na medida em que o uso de medicamentos diversos se acentua, é nosso papel manter o especialista e as autoridades atualizados sobre o assunto”. 

Leia a diretriz

Segundo ele, os efeitos do uso de remédios sobre o ato de dirigir devem entrar no radar também das autoridades, tanto no poder Executivo quanto no Legislativo. “Esta diretriz pode orientar a formulação de uma norma na área da saúde, levando para a embalagem dos medicamentos o alerta visual de risco para o condutor, quando pertinente”, diz Meira Júnior.

Em 2009, a Abramet chegou a recomendar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a utilização de um “símbolo de alerta” para as embalagens dos chamados Medicamentos Potencialmente Prejudiciais ao Condutor de Veículos Automotores (MPPCVA).

“Isso já acontece em alguns países, como a França e a Espanha. Quando consideramos que o trânsito é um dos principais geradores de óbitos e sequelas no Brasil, por diversos motivos, esse tema tem de entrar na agenda da prevenção de sinistros. Não queremos questionar o uso de medicamentos, mas essa diretriz é mais um mecanismo para garantir que o paciente tenha o melhor resultado possível, com segurança em outros campos de sua vida”.

A preocupação da Abramet vem da observação do cenário nacional: para se ter uma ideia, dados divulgados pela Fundação Instituto de Administração (FIA) em conjunto com o Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (IBEVAR) registram que a compra de remédios já responde por 6,5% dos gastos das famílias brasileiras. O Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos divulgou que a venda de medicamentos psiquiátricos disparou no Brasil após a pandemia de covid-19: o consumo de remédios para ansiedade cresceu 10% entre 2019 e 2022; o de sedativos, usados para dormir, aumentou 33%; e o de antidepressivos saltou 34%.

Investigação científica – “Esse é um assunto de grande relevância, que desafia o médico do tráfego diariamente nos seus atendimentos e precisa ser considerado quando da realização dos exames de aptidão”, justifica Flávio Emir Adura, diretor científico da Abramet. “A diretriz traz a informação científica mais recente e relevante, uma ferramenta para a melhor tomada de decisões pelo médico”, acrescenta, sublinhando que a entidade se mantém atenta a todos os aspectos da saúde que possam influenciar a condução para, assim, produzir conhecimento científico e orientar seus associados no dia a dia.

Adura endossa a expectativa de colaborar com o poder público na construção de avanços também nesse campo: assim como a Lei das Cadeirinhas (aprovada pelo Congresso em 2008 e atualizada em 2020, a Lei 14.071/2020) foi pensada a partir de alerta e diretriz preparada pela entidade, a diretriz sobre uso de remédios pode estimular movimento semelhante, gerando mais segurança para o condutor e todos os usuários do sistema de trânsito.

“Esse conhecimento é relevante para todos os elos do ecossistema do trânsito, especialmente para o usuário do medicamento. Conhecer o efeito sobre sua capacidade de dirigir favorece a prevenção de sinistros e a preservação da vida”, diz Adura.

Em 34 páginas, a Abramet traça um amplo panorama sobre o tema, partindo de como o uso de medicamentos é tratado por organismos internacionais e na legislação brasileira. A partir de 2015, por exemplo, o consumo de remédios foi incluído entre os fatores de risco para sinistros de trânsito pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 2018, a Organização das Nações Unidas (ONU) agregou esse entendimento em resolução sobre segurança viária. No Brasil, até o momento nenhuma legislação aborda os riscos da interface entre medicamentos e a direção.

O diretor científico da Abramet coordenou o grupo de médicos especialistas em medicina do tráfego que prepararam a diretriz. Além do presidente da Abramet, também participaram da construção da diretriz os especialistas: Adriano Isabella, Alysson Coimbra de Souza, Aquilla Couto, Arilson de Souza, Ester Vago, Fhilipe Xavier Camara, Joan Faber, João Roberto Adura, José Heverardo Montal, Lilian Kondo, Ricardo Hegele, Silvia Heringer e Victor Mendoza Ramos.

Classificação de substâncias – O documento oferece uma análise da literatura científica disponível, trazendo a comprovação de que existe “associação entre o uso de medicamentos e o desempenho na condução veicular e/ou sinistros automobilísticos, com foco predominantemente em ansiolíticos, sedativos, hipnóticos, antidepressivos, analgésicos opióides e anti-histamínicos”, assim como “outros remédios prescritos e/ou adquiridos sem prescrição também podem afetar a capacidade de condução segura, caso de anfetaminas, antipsicóticos e relaxantes musculares”. Tais conclusões decorrem de estudos práticos, descritos pela Abramet.

A diretriz preparada pela entidade avalia um conjunto de medicamentos comumente usados pela população e aponta os riscos associados à direção segura. “Essa é uma informação estratégica e de grande importância não só para o médico especialista, mas também para o usuário”, frisa Flávio Adura, lembrando que o brasileiro cultiva o hábito da automedicação.

Segundo ele, no dia a dia de atendimento, mais que conhecer o efeito de remédios consumidos por prescrição médica, é relevante o médico do tráfego aferir o uso de medicação sem prescrição pelo candidato a condutor. A Abramet apresenta a classificação de diversos princípios ativos no quesito segurança, tornando clara a interface de tais medicações com o ato de dirigir. Confira a seguir as classes de medicamentos e seus efeitos prejudiciais à direção:

 

ANTIDEPRESSIVOS

Sonolência, hipotensão, tontura, diminuição do limiar convulsivo, prejuízo nas funções psicomotoras.

ANTI-HISTAMÍNICOS

Sedação, aumento tempo de reação e desempenho psicomotor prejudicado.

BENZODIAZEPÍNICOS

Quase todos os domínios cognitivos do desempenho do condutor são afetados.

HIPNÓTICOS Z

Sedação, lapsos de atenção, erros de rastreamento, diminuição do estado de alerta, instabilidade corporal.

OPIÁCEOS

Sedação, diminuição do tempo de reação, reflexos e coordenação, déficit de atenção, miose e diminuição da visão periférica.

 

Orientação qualificada – A diretriz também oferece um conjunto de orientações não apenas para o médico do tráfego, como também para os demais médicos – que prescrevem medicamentos nas mais diversas especialidades; e para os motoristas usuários desses tipos de medicamentos. Ao médico do tráfego, a Abramet aponta um passo a passo no exame de aptidão, destacando os pontos de atenção a serem observados pelo especialista. A entidade informa que não cabe ao médico do tráfego questionar o uso de medicamentos pelo candidato a condutor, mas sim, avaliar os riscos e informá-los.

Para o médico prescritor, a Abramet recomenda que informe aos pacientes os impactos potenciais da medicação sobre a condução veicular e oriente o cuidado redobrado durante o uso. “Para muitas doenças há opções de tratamento, opte por prescrever medicamentos que tenham demonstrado ser desprovidos de efeitos prejudiciais sobre capacidade de condução. As classificações DRUID e ICADTS poderão ajudá-lo a tomar esta decisão”, acrescenta o documento.

A diretriz também alerta o motorista, esclarecendo que tipo de medicamento podem afetar sua capacidade de dirigir. “Podem prejudicar o motorista: remédios para dor, depressão, dormir, epilepsia, alergia, doenças dos olhos, emagrecer, gripe, entre outros, causando tonturas, dificuldades de concentração, mania, confusão, alucinações, convulsões, distúrbios visuais, bem como sonolência e sedação”, diz o documento.  “Pergunte sempre ao seu médico se o medicamento por ele receitado pode prejudicar a direção”.